Mais uma história infantil criada nos tempos mortos, quando não havia clientes à vista na Fnac do Algarve Shopping. Foi terminada a 19 de Novembro.
Os dez patinhos
Havia algo diferente no ar nesta manhã de Primavera. Na quinta onde esta história se passa, tudo estava anormalmente calmo. Não se via vivalma. Só o galo Venceslau já se manifestara, algum tempo atrás, anunciando o raiar de um novo dia. De resto, era o silêncio total. Nem sequer se ouvia o som dos passarinhos, tão costumeiro por aquelas bandas.
Na casa dos donos da quinta, ambos dormiam ainda a bom dormir, apesar da manhã já ir adiantada.
Mas eis que surge o primeiro personagem da história, bamboleando o corpo roliço, ora para um lado, ora para o outro, num passo lento, mas seguro. Pelas frestas da janela, era possível ao cavalo da quinta, de seu nome Príncipe, ver os donos da quinta ainda deitados na cama, cada qual virado para o seu lado. O velho Pôncio parecia, aliás, prestes a estatelar-se no soalho, tal era a posição em que se encontrava. Os lençóis, mais puxados para o seu lado, mal o cobriam. Parte destes estendiam-se pela madeira do soalho. A sua esposa, de nome Maria, dormia recatada no canto oposto da cama. Parecia dormir na paz dos anjos.
Mas voltemos à nossa história... na garupa do Príncipe vinha o Newton, seu maior amigo e o maior galã do pombal.
- Pois é, Princípe, deve ser hoje o grande dia. A pata Alice já está a chocar no ninho faz quase um mês, e pelas contas dela, é hoje que nascem os filhotes.
- Foi ela que te disse?
- Sim, passei ontem na capoeira e estive a conversar com ela um pouco. Coitada, está aborrecida de estar no ninho estes dias todos, confirmou o Newton.
- Vamos fazer-lhe uma visita, sugeriu o Princípe. O Newton acenou com a cabeça que sim, arrulhando de satisfação.
À entrada da capoeira, acotovelavam-se vários outros animais da quinta, num grande alvoroço, tentando saber as últimas novidades. O porco Gabriel e o burro Leopoldo, de olhos muito esbugalhados, seguiam tudo com muita atenção a um canto. As comadres galinhas cacarejavam animadamente umas com as outras. Algumas cabras e ovelhas amontoavam-se ainda à entrada, balindo a espaços. Só o velho cão Fiel permanecia a dormitar dentro da sua casota. Mesmo que quisesse, não seria possível juntar-se aos demais animais. Uma pesada corrente limitava-lhe os movimentos. O máximo que se conseguia deslocar era meia dúzia de passos para a frente e para trás.
Grande como era, o Princípe lá foi abrindo caminho por entre a bicharada.
- Com licença, com licença, deixem passar, repetia uma e outra vez.
Mais encontrão, menos encontrão, um puxa aqui, um puxa ali e em dois minutos conseguiram chegar à frente. Entrou o Newton, e, pigarreando um pouco, perguntou:
- Então, Dona Alice, há novidades?
- Hum, hum...
- Isso é um sim ou um não?
- Hum, hum...
À segunda vez sacudiu-se, toda inchada, levantando as penas. E, por entre as plumas da pata Alice, minúsculas cabecinhas surgiram, primeiro uma, depois outra, e outra e outra...
Newton abriu o bico de espanto. Agora que estava com mais atenção, ouvia também um tímido piar vindo de baixo da pata Alice.
- São tantos, disse ele. E contou nove lindos patinhos amarelos.
- Então teve nove patinhos, dona Alice. Mas oiço um piar insistente debaixo de si, a senhora estava a chocar quantos ovinhos?
- Hum, hum. Dez.
- Tem a certeza?
- Mas pois claro. Eu não me ia enganar numa coisa dessas. Disse que só contou nove patinhos?
- Sim, mas ainda escuto um piar que parece vir de dentro das suas penas.
Dito isto, a pata Alice ergueu-se, revelando o tesouro oculto sob si. Nove pequenos patinhos amarelos de bicos alaranjados e olhos muito abertos fixavam nele o olhar, como se fosse a coisa mais estranha do mundo. Um pouco afastado, um ovinho de cor esbranquiçada ainda permanecia inteiro. O piar parecia vir de lá.
Mirando mais de perto, Newton vislumbrou pequenas rachas ao longo da suave superfície do ovo. Conseguiu vislumbrar um pequeno bico alaranjado, tentando quebrar a casca pelo lado de dentro, mas sempre sem sucesso. Nem pensou duas vezes. Chegou-se à frente e começou também ele a bicar na casca branca do ovo.
Tanta determinação fez com que em três tempos a casca cedesse e os olhos do patinho vissem pela primeira vez o mundo que iria ser o seu dali em diante.
Uma mancha escura na cabeça distinguia este patinho dos demais. Parecia que trazia um carapuço enfiado na pequena cabecinha.
Ficou logo baptizado de Pintas.
Dona Alice estava radiante por estar tudo bem. Grasnando ruidosamente, encaminhou-se para a entrada da capoeira, seguida pelos dez patinhos, uns atrás dos outros.
Cá fora, a confusão era cada vez maior. Mas, como que num passe de mágica, todos se silenciaram ao surgir Dona Alice. Dirigindo-se a todos, disse do improvisado palanque:
- Está tudo bem. Todos os patinhos nasceram de boa saúde e estão todos bem. A partir de hoje há dez novos habitantes na quinta.
- Queremos vê-los, queremos vê-los, repetiam todos, insistentemente, num grande burburinho.
Afastando-se para o lado alguns segundos depois, os patinhos surgiram finalmente à multidão de olhares curiosos que olhavam na sua direcção.
- São lindos, cacarejavam as galinhas.
- Aquele tem um carapuço na cabeça, disseram o porco Gabriel e o burro Leopoldo, fazendo coro.
E foram todos, um a um, dar as boas-vindas aos novos habitantes da quinta. Os patinhos, um pouco assustados com a confusão, a todos piavam em uníssono, dando os bons dias. O piar do Pintas, o último a nascer, sobressaía dos demais. Parecia que os patinhos já tinham líder.
Feitas as apresentações, o porco Gabriel e o burro Leopoldo prontificaram-se de imediato a mostrar a quinta aos patinhos.
Dona Alice acenou que sim, com um ar algo austero e disse:
- Mas não levem a tarde toda nisso e tenham cuidado, sim?
- Pode ficar descansada, disse o porco Gabriel.
- Eles estão seguros connosco. Não se aflija, Dona Alice, anuiu o burro Leopoldo.
Primeiro foram ao celeiro, onde o velho Pôncio armazenava os cereais e algumas ferramentas. Pelo caminho, foram cumprimentados com alguns latidos pelo cão Fiel, que entretanto despertara e se espreguiçava ao sol.
- Quá-quá-quá, piavam os patinhos de espanto.
- O que é aquilo?, perguntou um.
- É o tractor da quinta. Serve para arar e cultivar os campos à nossa volta.
- E aquilo?, perguntou outro.
- São ancinhos, enxadas e sacholas. Fazem o mesmo, mas são mais pequenos. O velho Pôncio utiliza-os na horta, que é onde vamos a seguir.
E lá se encaminharam todos na direcção da horta, que ficava mesmo ali ao lado. Primeiro o porco Gabriel, ladeado pelo burro Leopoldo, seguidos os dois pelos patinhos, numa longa fila indiana de longos corpinhos amarelos e biquinhos laranja-vivo lindos de morrer, como já se disse atrás.
Tudo era novidade para os patinhos. As cores, os ruídos, os cheiros e as formas, tudo era motivo de espanto e admiração.
- Aquilo são alfaces. Acolá, temos couves. E além daquele lado, tomates e pepinos. Os tomates são redondos e encarnados, ia explicando o porco Gabriel, à medida que caminhavam.
- A não ser que ainda estejam verdes, gracejou o burro Leopoldo, terminando a frase com um ruidoso ih!-oh! Zombeteiro.
O Pintas, que era o mais impetuoso, já andava a perseguir um escaravelho que tivera o azar de passar por ali naquele momento O coitado do escaravelho bem tentava fugir, mas como tinha umas patinhas muito pequeninas, andava muito devagar. Tanta bicada levou, que decidiu abrir as suas asas e num ápice, tinha voado para bem longe.
Em seguida foram conhecer o charco dos patos, que ficava num dos extremos da quinta. A cerca de 100 metros, moravam os donos desta, num enorme e velho casarão de dois pisos, com um alpendre pintado de azul-claro, que ameaçava ruir, mais ano, menos ano.
Parecia que algo mais forte que eles os chamava para a água. E todos foram molhar as patinhas e gargarejaram bem alto. As rãs do charco, entretanto, olhavam, atentamente para os pequenos invasores, um pouco receosas. Mas nenhum dos patinhos lhes ligou nenhuma. A não ser, adivinhem quem... pois claro, a não ser o Pintas.
Correndo à volta do charco o mais depressa que podia, foi fazendo as rãs saltarem uma a uma, para dentro de água. Divertiu-se imenso com as rãs. Elas é que não acharam piada nenhuma ver acabar assim o seu rico banho de sol. Entretanto, o grupo já recomeçara a marcha. O burro Leopoldo sempre com um olho à frente e outro atrás, não fosse o Pintas fazer alguma e perder-se pelo caminho. Teve de andar a bom andar para alcançar todos, que entretanto, já iam andando na direcção do velho casarão. O burro Leopoldo só descansou quando os patinhos estiveram de novo todos reunidos. Lembrava-se bem da promessa feita à pata Alice.
De uma das janelas vinha um forte odor adocicado. Devia ser D. Maria a preparar o pequeno-almoço.
- Lembrem-se de nunca entrar dentro deste casarão, é onde os donos da quinta vivem, disse o porco Gabriel.
- Já só falta passarmos pela vacaria, onde vivem os animais de maior porte.
E dirigiram-se todos na direcção do moinho de vento, ao lado do qual esta se localizava. Quando chegaram, os dois explicaram onde cada um morava e a quem pertencia cada divisória, ao que os patinhos acenavam a tudo que sim, piando baixinho.
- Esta é para as cabras e ovelhas. Lá no alto, onde estão aqueles buracos, vivem os pombos, incluindo o Newton, que ajudou o Pintas a nascer esta manhã. E aquela além onde estão os fardos de palha, é onde eu e o Princípe vivemos, disse o burro Leopoldo.
- E eu fico além naquele canto, acrescentou ainda o porco Gabriel.
- Bom, acho que já chega por hoje. Vamos regressar à capoeira antes que a pata Alice venha à nossa procura. Por esta altura, já deve andar preocupadíssima e vejo que vocês também já estão cansados de tanto andar, disse ainda.
Ao regressarem, o Pintas reparou em algo estranho. Junto à capoeira estava um carrinho de mão verde... e algo mais.
- O que será aquilo?, pensou.
- Vou investigar, decidiu nesse instante. E se bem o disse, melhor o fez. Como as suas aventuras anteriores perseguindo o besouro e as rãs tinham sido tão divertidas, não tinha dado ainda dois passos e já levava na sua cola todos os seus irmãs e irmã, em fila indiana. Só o porco Gabriel e o burro Leopoldo é que não se aperceberam de nada, continuando tranquilamente a sua marcha rumo à capoeira.
Algo branco e ruivo apareceu brevemente, para logo tornar a desaparecer por trás do carrinho de mão. Uma cauda.
- Será um animal da quinta que ainda não conhecemos?, comentavam alguns entre si.
Agora que já estavam mais próximos, já conseguiam ver as formas do animal.
- É parecido com o cão Fiel, não é?, disse o Pintas.
Falou baixinho porque algo não lhe parecia estar bem. Porque estava aquele animal tão estranho e de ares furtivos, escondido por trás do carrinho de mão? E parecia que se preparava para fazer algo.
Quando deu um passo na direcção deles, farejando o ar, dois olhos brilhantes, cheios de malícia, puseram todos aqueles coraçõezinhos a bater a 100 à hora. O animal ruivo com manchas brancas, estava a olhar para eles.
Piaram com toda a força, tanto e tão alto, que, mesmo à distância, o porco Gabriel e o burro Leopoldo, se assustaram com os piares aflitos, correndo de imediato em seu auxílio.
Chegou primeiro o burro Leopoldo, pois corria mais depressa que o seu amigo Gabriel.
Ao chegar, deparou-se com uma astuta raposa, que perseguia os patinhos, fugindo estes cada um para seu lado. Essa táctica estava a dar resultado, pois ainda nenhum tinha sido apanhado. Parece que tinha chegado mesmo a tempo.
A raposa não pensou duas vezes. Já todos na quinta estavam alertados para a sua presença e o tamanho do burro Leopoldo intimidava-a. A situação agora tornava-se perigosa, mas era para ela.
Confirmou-o no instante seguinte, quando recebeu um valente coice do burro Gabriel, acompanhado de ameaçadores zurrares. E, à distância, mais animais se aproximavam.
Fugiu como pôde na direcção da horta, correndo e mancando, pois o coice tinha sido bem forte.
Atrás de si vinham já vários dos animais da quinta, e pior se tornou a situação quando o velho Pôncio a avistou também.
Num último esforço, conseguiu ocultar-se por entre a vegetação, entredentes rangendo de raiva, pelo chinfrim que os patinhos tinham iniciado e que lhe tinha tornado a vida num verdadeiro inferno nessa manhã.
Na quinta, todos os animais rodeavam agora os patinhos, congratulando-os pelo feito.
- Três vivas aos patinhos, foram uns verdadeiros heróis!, ouviu-se um deles gritar.
- Viva!, Viva!, Viva!, gritou a multidão de animais.
A pata Alice exultava de contentamento. Os seus patinhos tinham sido uns heróis por terem sobrevivido ao ataque da raposa e alertado os outros animais da quinta para a presença desta. E logo no dia em que tinham nascido. Estava muito orgulhosa deles todos.
Ao final do dia, até D. Maria foi visitá-los à capoeira.
Aconchegou os pequenos patinhos no seu regaço, dizendo baixinho:
- São uns verdadeiros heróis, estes meus patinhos amarelos.
Nenhum compreendeu as estranhas palavras de D.Maria, mas todos perceberam o que significava.
E piaram baixinho de contentamento... quá-quá-quá!
Autor: Pedro Luís Laima Bicho 19/11/07
Na casa dos donos da quinta, ambos dormiam ainda a bom dormir, apesar da manhã já ir adiantada.
Mas eis que surge o primeiro personagem da história, bamboleando o corpo roliço, ora para um lado, ora para o outro, num passo lento, mas seguro. Pelas frestas da janela, era possível ao cavalo da quinta, de seu nome Príncipe, ver os donos da quinta ainda deitados na cama, cada qual virado para o seu lado. O velho Pôncio parecia, aliás, prestes a estatelar-se no soalho, tal era a posição em que se encontrava. Os lençóis, mais puxados para o seu lado, mal o cobriam. Parte destes estendiam-se pela madeira do soalho. A sua esposa, de nome Maria, dormia recatada no canto oposto da cama. Parecia dormir na paz dos anjos.
Mas voltemos à nossa história... na garupa do Príncipe vinha o Newton, seu maior amigo e o maior galã do pombal.
- Pois é, Princípe, deve ser hoje o grande dia. A pata Alice já está a chocar no ninho faz quase um mês, e pelas contas dela, é hoje que nascem os filhotes.
- Foi ela que te disse?
- Sim, passei ontem na capoeira e estive a conversar com ela um pouco. Coitada, está aborrecida de estar no ninho estes dias todos, confirmou o Newton.
- Vamos fazer-lhe uma visita, sugeriu o Princípe. O Newton acenou com a cabeça que sim, arrulhando de satisfação.
À entrada da capoeira, acotovelavam-se vários outros animais da quinta, num grande alvoroço, tentando saber as últimas novidades. O porco Gabriel e o burro Leopoldo, de olhos muito esbugalhados, seguiam tudo com muita atenção a um canto. As comadres galinhas cacarejavam animadamente umas com as outras. Algumas cabras e ovelhas amontoavam-se ainda à entrada, balindo a espaços. Só o velho cão Fiel permanecia a dormitar dentro da sua casota. Mesmo que quisesse, não seria possível juntar-se aos demais animais. Uma pesada corrente limitava-lhe os movimentos. O máximo que se conseguia deslocar era meia dúzia de passos para a frente e para trás.
Grande como era, o Princípe lá foi abrindo caminho por entre a bicharada.
- Com licença, com licença, deixem passar, repetia uma e outra vez.
Mais encontrão, menos encontrão, um puxa aqui, um puxa ali e em dois minutos conseguiram chegar à frente. Entrou o Newton, e, pigarreando um pouco, perguntou:
- Então, Dona Alice, há novidades?
- Hum, hum...
- Isso é um sim ou um não?
- Hum, hum...
À segunda vez sacudiu-se, toda inchada, levantando as penas. E, por entre as plumas da pata Alice, minúsculas cabecinhas surgiram, primeiro uma, depois outra, e outra e outra...
Newton abriu o bico de espanto. Agora que estava com mais atenção, ouvia também um tímido piar vindo de baixo da pata Alice.
- São tantos, disse ele. E contou nove lindos patinhos amarelos.
- Então teve nove patinhos, dona Alice. Mas oiço um piar insistente debaixo de si, a senhora estava a chocar quantos ovinhos?
- Hum, hum. Dez.
- Tem a certeza?
- Mas pois claro. Eu não me ia enganar numa coisa dessas. Disse que só contou nove patinhos?
- Sim, mas ainda escuto um piar que parece vir de dentro das suas penas.
Dito isto, a pata Alice ergueu-se, revelando o tesouro oculto sob si. Nove pequenos patinhos amarelos de bicos alaranjados e olhos muito abertos fixavam nele o olhar, como se fosse a coisa mais estranha do mundo. Um pouco afastado, um ovinho de cor esbranquiçada ainda permanecia inteiro. O piar parecia vir de lá.
Mirando mais de perto, Newton vislumbrou pequenas rachas ao longo da suave superfície do ovo. Conseguiu vislumbrar um pequeno bico alaranjado, tentando quebrar a casca pelo lado de dentro, mas sempre sem sucesso. Nem pensou duas vezes. Chegou-se à frente e começou também ele a bicar na casca branca do ovo.
Tanta determinação fez com que em três tempos a casca cedesse e os olhos do patinho vissem pela primeira vez o mundo que iria ser o seu dali em diante.
Uma mancha escura na cabeça distinguia este patinho dos demais. Parecia que trazia um carapuço enfiado na pequena cabecinha.
Ficou logo baptizado de Pintas.
Dona Alice estava radiante por estar tudo bem. Grasnando ruidosamente, encaminhou-se para a entrada da capoeira, seguida pelos dez patinhos, uns atrás dos outros.
Cá fora, a confusão era cada vez maior. Mas, como que num passe de mágica, todos se silenciaram ao surgir Dona Alice. Dirigindo-se a todos, disse do improvisado palanque:
- Está tudo bem. Todos os patinhos nasceram de boa saúde e estão todos bem. A partir de hoje há dez novos habitantes na quinta.
- Queremos vê-los, queremos vê-los, repetiam todos, insistentemente, num grande burburinho.
Afastando-se para o lado alguns segundos depois, os patinhos surgiram finalmente à multidão de olhares curiosos que olhavam na sua direcção.
- São lindos, cacarejavam as galinhas.
- Aquele tem um carapuço na cabeça, disseram o porco Gabriel e o burro Leopoldo, fazendo coro.
E foram todos, um a um, dar as boas-vindas aos novos habitantes da quinta. Os patinhos, um pouco assustados com a confusão, a todos piavam em uníssono, dando os bons dias. O piar do Pintas, o último a nascer, sobressaía dos demais. Parecia que os patinhos já tinham líder.
Feitas as apresentações, o porco Gabriel e o burro Leopoldo prontificaram-se de imediato a mostrar a quinta aos patinhos.
Dona Alice acenou que sim, com um ar algo austero e disse:
- Mas não levem a tarde toda nisso e tenham cuidado, sim?
- Pode ficar descansada, disse o porco Gabriel.
- Eles estão seguros connosco. Não se aflija, Dona Alice, anuiu o burro Leopoldo.
Primeiro foram ao celeiro, onde o velho Pôncio armazenava os cereais e algumas ferramentas. Pelo caminho, foram cumprimentados com alguns latidos pelo cão Fiel, que entretanto despertara e se espreguiçava ao sol.
- Quá-quá-quá, piavam os patinhos de espanto.
- O que é aquilo?, perguntou um.
- É o tractor da quinta. Serve para arar e cultivar os campos à nossa volta.
- E aquilo?, perguntou outro.
- São ancinhos, enxadas e sacholas. Fazem o mesmo, mas são mais pequenos. O velho Pôncio utiliza-os na horta, que é onde vamos a seguir.
E lá se encaminharam todos na direcção da horta, que ficava mesmo ali ao lado. Primeiro o porco Gabriel, ladeado pelo burro Leopoldo, seguidos os dois pelos patinhos, numa longa fila indiana de longos corpinhos amarelos e biquinhos laranja-vivo lindos de morrer, como já se disse atrás.
Tudo era novidade para os patinhos. As cores, os ruídos, os cheiros e as formas, tudo era motivo de espanto e admiração.
- Aquilo são alfaces. Acolá, temos couves. E além daquele lado, tomates e pepinos. Os tomates são redondos e encarnados, ia explicando o porco Gabriel, à medida que caminhavam.
- A não ser que ainda estejam verdes, gracejou o burro Leopoldo, terminando a frase com um ruidoso ih!-oh! Zombeteiro.
O Pintas, que era o mais impetuoso, já andava a perseguir um escaravelho que tivera o azar de passar por ali naquele momento O coitado do escaravelho bem tentava fugir, mas como tinha umas patinhas muito pequeninas, andava muito devagar. Tanta bicada levou, que decidiu abrir as suas asas e num ápice, tinha voado para bem longe.
Em seguida foram conhecer o charco dos patos, que ficava num dos extremos da quinta. A cerca de 100 metros, moravam os donos desta, num enorme e velho casarão de dois pisos, com um alpendre pintado de azul-claro, que ameaçava ruir, mais ano, menos ano.
Parecia que algo mais forte que eles os chamava para a água. E todos foram molhar as patinhas e gargarejaram bem alto. As rãs do charco, entretanto, olhavam, atentamente para os pequenos invasores, um pouco receosas. Mas nenhum dos patinhos lhes ligou nenhuma. A não ser, adivinhem quem... pois claro, a não ser o Pintas.
Correndo à volta do charco o mais depressa que podia, foi fazendo as rãs saltarem uma a uma, para dentro de água. Divertiu-se imenso com as rãs. Elas é que não acharam piada nenhuma ver acabar assim o seu rico banho de sol. Entretanto, o grupo já recomeçara a marcha. O burro Leopoldo sempre com um olho à frente e outro atrás, não fosse o Pintas fazer alguma e perder-se pelo caminho. Teve de andar a bom andar para alcançar todos, que entretanto, já iam andando na direcção do velho casarão. O burro Leopoldo só descansou quando os patinhos estiveram de novo todos reunidos. Lembrava-se bem da promessa feita à pata Alice.
De uma das janelas vinha um forte odor adocicado. Devia ser D. Maria a preparar o pequeno-almoço.
- Lembrem-se de nunca entrar dentro deste casarão, é onde os donos da quinta vivem, disse o porco Gabriel.
- Já só falta passarmos pela vacaria, onde vivem os animais de maior porte.
E dirigiram-se todos na direcção do moinho de vento, ao lado do qual esta se localizava. Quando chegaram, os dois explicaram onde cada um morava e a quem pertencia cada divisória, ao que os patinhos acenavam a tudo que sim, piando baixinho.
- Esta é para as cabras e ovelhas. Lá no alto, onde estão aqueles buracos, vivem os pombos, incluindo o Newton, que ajudou o Pintas a nascer esta manhã. E aquela além onde estão os fardos de palha, é onde eu e o Princípe vivemos, disse o burro Leopoldo.
- E eu fico além naquele canto, acrescentou ainda o porco Gabriel.
- Bom, acho que já chega por hoje. Vamos regressar à capoeira antes que a pata Alice venha à nossa procura. Por esta altura, já deve andar preocupadíssima e vejo que vocês também já estão cansados de tanto andar, disse ainda.
Ao regressarem, o Pintas reparou em algo estranho. Junto à capoeira estava um carrinho de mão verde... e algo mais.
- O que será aquilo?, pensou.
- Vou investigar, decidiu nesse instante. E se bem o disse, melhor o fez. Como as suas aventuras anteriores perseguindo o besouro e as rãs tinham sido tão divertidas, não tinha dado ainda dois passos e já levava na sua cola todos os seus irmãs e irmã, em fila indiana. Só o porco Gabriel e o burro Leopoldo é que não se aperceberam de nada, continuando tranquilamente a sua marcha rumo à capoeira.
Algo branco e ruivo apareceu brevemente, para logo tornar a desaparecer por trás do carrinho de mão. Uma cauda.
- Será um animal da quinta que ainda não conhecemos?, comentavam alguns entre si.
Agora que já estavam mais próximos, já conseguiam ver as formas do animal.
- É parecido com o cão Fiel, não é?, disse o Pintas.
Falou baixinho porque algo não lhe parecia estar bem. Porque estava aquele animal tão estranho e de ares furtivos, escondido por trás do carrinho de mão? E parecia que se preparava para fazer algo.
Quando deu um passo na direcção deles, farejando o ar, dois olhos brilhantes, cheios de malícia, puseram todos aqueles coraçõezinhos a bater a 100 à hora. O animal ruivo com manchas brancas, estava a olhar para eles.
Piaram com toda a força, tanto e tão alto, que, mesmo à distância, o porco Gabriel e o burro Leopoldo, se assustaram com os piares aflitos, correndo de imediato em seu auxílio.
Chegou primeiro o burro Leopoldo, pois corria mais depressa que o seu amigo Gabriel.
Ao chegar, deparou-se com uma astuta raposa, que perseguia os patinhos, fugindo estes cada um para seu lado. Essa táctica estava a dar resultado, pois ainda nenhum tinha sido apanhado. Parece que tinha chegado mesmo a tempo.
A raposa não pensou duas vezes. Já todos na quinta estavam alertados para a sua presença e o tamanho do burro Leopoldo intimidava-a. A situação agora tornava-se perigosa, mas era para ela.
Confirmou-o no instante seguinte, quando recebeu um valente coice do burro Gabriel, acompanhado de ameaçadores zurrares. E, à distância, mais animais se aproximavam.
Fugiu como pôde na direcção da horta, correndo e mancando, pois o coice tinha sido bem forte.
Atrás de si vinham já vários dos animais da quinta, e pior se tornou a situação quando o velho Pôncio a avistou também.
Num último esforço, conseguiu ocultar-se por entre a vegetação, entredentes rangendo de raiva, pelo chinfrim que os patinhos tinham iniciado e que lhe tinha tornado a vida num verdadeiro inferno nessa manhã.
Na quinta, todos os animais rodeavam agora os patinhos, congratulando-os pelo feito.
- Três vivas aos patinhos, foram uns verdadeiros heróis!, ouviu-se um deles gritar.
- Viva!, Viva!, Viva!, gritou a multidão de animais.
A pata Alice exultava de contentamento. Os seus patinhos tinham sido uns heróis por terem sobrevivido ao ataque da raposa e alertado os outros animais da quinta para a presença desta. E logo no dia em que tinham nascido. Estava muito orgulhosa deles todos.
Ao final do dia, até D. Maria foi visitá-los à capoeira.
Aconchegou os pequenos patinhos no seu regaço, dizendo baixinho:
- São uns verdadeiros heróis, estes meus patinhos amarelos.
Nenhum compreendeu as estranhas palavras de D.Maria, mas todos perceberam o que significava.
E piaram baixinho de contentamento... quá-quá-quá!
Autor: Pedro Luís Laima Bicho 19/11/07
2 comentários:
Uma ternura !
O que será feito do pintas???? :D
Lia Senna
Lindo...
Dá largas à tua óptima imaginação e sensibilidade...
Beijo grande
Mãe
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