sábado, 12 de janeiro de 2008

A floresta mágica

Como não há duas sem três, aqui está a terceira história infantil que terminei, na primeira semana de Dezembro. Como fui acrescentando detalhes sobre detalhes, tornou-se um pouco mais longa que as que a antecederam.

A floresta mágica

Era uma vez uma floresta que ficava longe, muito longe, nos confins do mundo. Tão longe ficava, que se contavam pelos dedos das mãos os homens que já a tinham visitado. Era uma floresta mágica.
Nessa manhã de Domingo, o Rafael decidiu acompanhar o pai. O pai era caçador e todos os Domingos ia caçar nas redondezas. É certo que quase nunca apanhava nada, mas o pai, que se chamava Miguel, gostava imenso dos seus passeios matinais. Domingo que não fosse caçar, não era Domingo.
Pois nesse Domingo, o pai não iria sozinho. O Rafael queria ver em primeira mão porque é que o pai gostava tanto de ir caçar aos Domingos. Ele nunca falava sobre as suas caçadas e isso despertava-lhe imenso a curiosidade. Raramente trazia caça para casa, pelo que devia ser um péssimo caçador. Que estranhas aventuras teria o pai para contar? Bem, certo, certo, era que o próximo dia já lhe cheirava a aventura. Mal podia esperar pelo dia seguinte.
Na véspera já perguntara ao pai se o podia acompanhar. Este, estranhara inicialmente o desejo do filho, pois era hábito do Rafael passar sempre as manhãs de Domingo na cama, mas lá acedeu, após muita insistência do filho e combinaram pôr o despertador para as seis da manhã do dia seguinte. O Rafael nem se queixou da hora, tal era a sua sede de aventuras.
À hora marcada, o despertador tocou: TRIIMM!TRIIMM!
Saiu disparado da cama que nem uma seta. Vestiu-se num ápice, foi à casa-de-banho e ainda não tinham passado cinco minutos, já se ouvia o bater da sua mão na porta do quarto dos pais.
- Tem calma, Rafael. Ainda não estou pronto. Espera mais um minutinho. E não faças tanto barulho, olha que acordas a tua mãe, acrescentou ainda.
- Vá lá, pai. Está a fazer-se tarde, retorquiu o Rafael.
Alguns minutos se passaram e finalmente o pai saiu do quarto. Por essa altura, já o Rafael ardia de impaciência.
Pequeno-almoço tomado e fizeram-se à estrada. O pai costumava ir caçar para uma floresta a cerca de 20 kms de distância da cidade. Era uma floresta muito antiga, atravessada por um rio de águas impetuosas e com várias montanhas que se espalhavam pelo horizonte numa e outra direcção. Várias árvores eram tão altas, tão altas, que nem se via bem onde terminavam.
Mais ou menos a meio do caminho, sairam da estrada principal e enfiaram por um caminho de terra batida. Lá fora, já se ouvia o chilrear dos pássaros à distância, só entrecortado pelo barulho que o carro fazia ao se deslocar, tantos eram os buracos que existiam na estrada. Cada um deles provocava um solavanco no carro e um sorriso no Rafael, que parecia imensamente divertido com a situação. Só o pai se ia lamentando pelo caminho do estado lastimável em que a estrada se encontrava.
- Ainda falta muito para chegarmos?, perguntou.
- Não, filho. É já ali à frente. Tivemos sorte com o dia, não?
- Pois foi. Que rico dia de sol. Adoro quando o céu está assim azul, azul.
- Olha, já chegámos. Vou estacionar ali, debaixo daquela árvore.
O carro ficou debaixo de uma árvore frondosa, num local em que a estrada alargava e formava uma espécie de largo. O Rafael estava deslumbrado com a paisagem. Ao sair do carro, a empatia foi instantânea. A explosão de verde em redor e os sons característicos que se ouvem em qualquer floresta digna desse nome, inebriaram-no de imediato.
Prosseguiram pela margem do rio durante algum tempo, rindo e conversando sobre as famosas caçadas do seu pai, em que chegava sempre a casa de mãos a abanar, quando de repente o pai parou, de súbito e lhe disse para não fazer barulho.
- Pára, Rafael. Vi uns juncos a mexerem-se além na curva do rio.
- O que é, pai?
- Shiuuuu!! Silêncio. Fica aqui.
E, passo a passo, prosseguiu em frente, tentando fazer o menor ruído possível. Ao aproximar-se, de novo viu os juncos agitarem-se. Avistou algumas sombras movimentando-se entre a vegetação. Não tardou muito, ouviu um inconfundível quá-quá e, num murmúrio quase imperceptível, falou para com o seus botões:
- Temos pato para o jantar!
Estava agora a apenas 20 metros de distância. Lentamente, muito lentamente, começou a levantar a carabina. Apoiou a coronha no ombro e apontou a mira para o meio dos juncos.
Três tiros ressoaram no ar, uns a seguir aos outros, interrompendo a calma da floresta: PUM! PUM! PUM!
Esperem lá...e o seu filho Rafael, que será feito dele?
Voltemos um pouco atrás na história, quando o pai o deixou sozinho.
Julgam que ele ficou escondido e em silêncio como o pai pedira?
Nem pensar! Era muito irrequieto para ficar no mesmo lugar muito tempo. Ademais, havia toda uma floresta para explorar. E muitas aventuras para viver, que o dia ainda mal tinha começado.
Se não podia seguir em frente, para não assustar a caça, nem fazer zangar o pai Miguel, então iria ao longo da margem do rio, mas no sentido oposto. Era impossível perder-se e, mais a mais, sabia onde o carro estava estacionado.
Decisão tomada, pôs-se a caminho. Nem dois minutos tinham passado, quando estremeceu todo ao ouvir três disparos, uns a seguir aos outros. Era o pai. Teria morto algo?
No seu intímo, desejava que não. Não era lá muito justo com as armas de fogo. Os animais praticamente não tinham hipóteses nenhumas. Bem, mas com a pontaria do pai, não tinha que se preocupar muito com a sorte dos pobres animais.
Mais valia não atrapalhar a sua caçada, para depois não se desculpar caso falhasse, com ele. E continuou a andar junto à margem do rio.
Não tardou, viu uns corços que tinham vindo matar a sede ao rio.
Dois eram fêmeas e um era macho. Tinha a certeza que era assim porque tinha lido algures que os veados machos tinham longas hastes, ao contrário das fêmeas. E o corpo era um pouco maior. Infelizmente, assustaram-se quando de repente o Rafael pisou um galho seco e em segundos desapareceram no meio da floresta, deixando-o profundamente descontente com a falta de cuidado.
À medida que caminhava, ia olhando para a esquerda e para a direita, reagindo a cada nova descoberta com um brado de espanto e admiração. Tudo era novidade. E de uma beleza que nunca imaginara ser possível.
Duas lontras que brincavam numa das margens cativaram-lhe o olhar. Parou, como que suspenso no ar. Escondeu-se atrás de uma árvore e ficou a observá-las. Uma tinha acabado de pescar uma truta e havia outra que lha tentava tirar. Ora puxava uma, ora puxava a outra. Tanto puxaram pelo peixe, que a truta ficou desfeita em duas e cada qual chegou-se a seu canto para comer o seu quinhão do petisco.
- Nunca tinha visto lontras ao vivo, só na televisão. É muito diferente ver como os animais são na realidade, pensou. Ainda bem que vim, não tem comparação nenhuma. E seguiu em frente.
Mais à frente, um guarda-rios pousado num ramo seco junto à água, fê-lo perder o fôlego. De bico fino e alongado, parecia um rei sentado no seu trono. O dono daquela parte do rio. A sua plumagem era magnífica, em tons de verde e azul, púrpura e amarelo. Todas as cores do arco-irís pareciam estar presentes, mas a esta distância era-lhe difícil afirmar com toda a certeza.
Um pouco mais à frente, na curva do rio, avistou uma cascata. Já à algum tempo que vinha ouvindo o som da água quebrando-se no rio e perguntava-se sobre o que conseguiria fazer um estrondo tão grande. A resposta? Uma cascata enorme, como descobriu em seguida. Um outro braço de rio terminava abruptamente numa das montanhas vizinhas, e, sem poder seguir em frente, despenhava-se no vazio, caindo pela montanha abaixo, vindo encontrar na sua base, o rio ao longo de cujas margens caminhava, cobrindo tudo com incontáveis salpicos.
Aproximou-se da cascata, que por sorte, estava do mesmo lado em que caminhava. E começou a levar com os salpicos de água no rosto e no corpo. Pareciam esvoaçar no ar, por toda a parte, como borboletas transparentes. Primeiro apenas alguns, mas, à medida que se aproximava mais e mais, tornaram-se tantos, que por momentos pensou mesmo que começara a chover. Olhando para trás, confirmou que não. O sol ainda estava lá. O céu azul, lindo de morrer, por sinal, também. E um pequeno arco-íris suspenso no meio do ar que o fez suster a respiração.
- Que lindo!
A curiosidade que ele tinha para dar e vender, começou a funcionar. Por brincadeira, estendeu uma mão sobre aquela massa de água toda que caía lá do alto. Já estava praticamente todo molhado dos salpicos, pelo que não fazia grande diferença.
Além do mais, a caminhada provocara-lhe sede.
Provavelmente de tanto esbracejar e brincar com a água, que lhe ensopava agora as roupas e a alma, não é que o Rafael acabou mesmo por se desequilibrar e cair ao rio?
- SPLAAASH!, fez o seu corpo com grande alarido, estatelando-se na água. O que lhe valeu foi ser bom nadador. Ainda se engasgou e engoliu uns pirulitos de água, mas com maior ou menor dificuldade, lá conseguiu alcançar um local onde tivesse pé e foi, com grande alívio, mas ainda um pouco titubeante, que se içou, ainda a medo, para uma das margens do rio.
Mas algo estava diferente. Agora estava do lado de dentro da cascata. Estava muito mais escuro do lado em que estava agora. E mais húmido ainda do que lá fora, se é que tal coisa era possível.
- Mau, pensou.
- Querem ver que tenho que me meter outra vez dentro de água para sair? Vou ver se dá para ir em frente, pode ser que dê para dar a volta pelo outro lado. E, resolutamente, deu dois passos em frente e começou a caminhar na direcção de um pequeno raio de luz que surgia no meio da escuridão.
Ao se aproximar da saída, percebeu que devia estar no interior de uma caverna, com duas entradas. Uma era aquela pela qual tinha entrado, oculta pela queda de água. A outra, aquela pela qual iria sair dentro de instantes.
- Oxalá a saída vá ter à outra margem do rio, murmurou baixinho.
- Assim que se viu novamente no exterior, a custo manteve os olhos abertos. A escuridão da caverna fê-lo levar algum tempo a habituar de novo os olhos à luz do dia, e ia piscando e esfregando os olhos, enquanto caminhava, num passo ainda inseguro.
- Que estranho, pensou. Não vejo o rio em lado nenhum. Mas onde vim eu parar?
Um pouco aborrecido consigo mesmo por ter caído ao rio, atirou palavras soltas ao ar, tentando-se consolar:
- Bolas, que grande azar!
- Que chatice!
- Arranjo que ainda me constipo, só me faltava mesmo isso.
- Parecia que estava mesmo a adivinhar o futuro. E deu um valente espirro, que abanou até as folhas das árvores mais próximas. AAATCHIM! E depois outro, e outro. ATCHIM! ATCHIM!
Qual não foi o seu espanto quando um esquilo que o observava atentamente desde que saíra da caverna, lhe respondeu do alto de uma árvore:
- Santinho.
Ao princípio, nem acreditou. Julgou que fosse o vento a agitar os ramos das árvores, ou a sua fértil imaginação.
- Santinho, repetiu o esquilo.
Ficou boquiaberto. Agora estava de olho no esquilo e viu os lábios dele mexerem-se. As orelhas espetadas para cima, olhava para ele fixamente, de forma um pouco estranha.
- Santinho, meu amigo. Deves estar perdido. O que fazes por estas paragens? É muito raro ver humanos por estas bandas.
Ainda mal refeito do susto, as palavras saiam-lhe a custo:
- Mas, tu falas? Que raios...?!!!
- Por certo que sim. Porquê, tens água nos ouvidos e ainda não ouves bem?
- Mas os esquilos não falam.
- Tsss, tsss. Deves ter batido com a cabeça numa pedra também.
- Mas como é que tu falas? Nunca tinha ouvido falar de um esquilo que conseguisse falar. Os animais não falam!!!
- Pois deixa-me dizer-te que neste lado da floresta, todo o animal que se preze gosta de dar dois dedos de conversa ao vizinho. Menos os que ainda são bébés para falar, claro.
- Claro, respondeu o incrédulo Rafael.
- Olha, vou-te deixar descobrir por ti próprio. Tenho que continuar a apanhar bolotas, pois o Inverno está aí à porta.
- Então adeus e obrigado pela ajuda, e com isto, concluiu o Rafael a conversa, continuando a tentar encontrar o caminho de regresso. Como a fome já fazia um nozinho na sua barriga, foi depenicando bagas dos arbustos que ia encontrando pelo caminho, engolindo-as de um trago. Amoras e framboesas, que delícia. Sabia que não eram venenosas, e comeu-as à vontade. Não era uma refeição a sério, mas eram muito saborosas e matavam a fome.
E continuou a caminhar. As árvores aqui eram um pouco menos altas, mas mais frondosas. Era impossível descortinar o que se passava entre a folhagem. A roupa entretanto começara a secar, mas ainda pesava bastante e pingava a cada passada que dava. Distraído com as roupas, que ia espremendo uma e outra vez, e com os animais com que se ia deparando no seu caminho, nem reparou que por entre a folhagem de uma dessas árvores, dois olhos brilhantes cor de opala o espreitavam, havia vários minutos.
De repente, uma enorme e sibilante pitão castanha lançou-se sobre si, apanhando-o completamente desprevenido. O Rafael entrou em pânico, mas ainda conseguiu ter sangue-frio para gritar SOCOOOORRO! o mais alto que pôde, antes de ser completamente envolvido num abraço mortal pela ameaçadora pitão. Vários animais da floresta que se encontravam na vizinhança ouviram o seu apelo e acorreram prontamente. Os primeiros a chegar foram várias aves de diferentes formas e tamanhos. Assim que viram a aflição em que o Rafael se encontrava, não pensaram duas vezes e começaram logo a dar bicadas e mais bicadas na cobra. Contudo, as bicadas, apesar de dolorosas, não foram suficientes para a cobra libertar o Rafael. Ele debatia-se como podia, o problema era que a cobra era forte demais para ele. Ao menos, o círculo de anéis que o envolvia era agora menos forte e ele conseguia respirar. A custo, mas conseguia. A cobra malvada é que não havia forma de o libertar.
Alguns lobos, que não gostavam nada, mesmo nada de cobras, entraram então em cena dispostos a ajudar. Uns atrás dos outros, surgiram do meio das árvores, como que num passe de mágica, saltando e arreganhando os dentes, com rosnados ameaçadores. A cobra pressentiu o perigo. O ajuntamento de animais era-lhe agora desfavorável e viu que não iria conseguir levar a sua adiante. Mais a mais, os dentes afiados dos lobos podiam provocar-lhe ferimentos sérios. Assim que sentiu o afrouxar dos anéis castanho brilhantes, deu um soco na cabeça da cobra com o resto de forças que ainda tinha. Para a cobra, foi a última gota de água. Lentamente, pois as cobras não se movimentam depressa, foi-se retirando do local, com o máximo de dignidade, que tentava aparentar. Foi vaiada e mandada embora num coro de assobios.
Os humanos que já tinham visitado aquela parte da floresta contavam-se pelos dedos das mãos e eram protegidos a todo o custo. Na conversa que se seguiu na clareira improvisada, os animais presentes contaram que há muito, muito tempo atrás, um humano chamado Jonas se tinha perdido, entrara naquela parte recôndita da floresta pela mesma caverna por onde ele entrara e com eles vivera até ao final dos seus dias. Nunca quis voltar para o meio dos outros humanos, pois ali era feliz. E durante os anos em que todos os animais conviveram com ele, o Jonas, de alguma forma mágica e secreta que se perdeu com o tempo, conseguiu transmitir a língua que falava, aos animais seus amigos com que partilhava a floresta e a quem ajudava, sempre que podia. Depois de morrer, os animais daquela parte da floresta fizeram uma reunião e decidiram perpetuar a memória do Jonas para sempre, falando a língua que este lhes ensinara e ensinando-a aos animaizinhos que entretanto iam nascendo e crescendo. Por esse motivo, todos ali sabiam falar muito bem. Com distinção, aliás. Alguns poderiam certamente envergonhar muitos humanos, se algum dia alguém se lembrasse de fazer um debate entre humanos e animais.
O Rafael escutou a explicação deliciado. Entendia agora o porquê do esquilo que encontrara antes, falar tão bem. Estranhava muito que assim fosse, é certo, mas muitas coisas são tão estranhas que não se deve tentar entender como acontecem, mas antes aceitá-las tal como elas se nos apresentam. Contra factos, não há argumentos. E era um facto que os animais falavam, quanto a isso não havia dúvidas.
- Gostaria só de deixar algumas palavras de agradecimento a todos. Muito obrigado por me terem salvo a vida. Sem a vossa ajuda, não estaria aqui a esta hora. Adorava ficar mais tempo com vocês, mas o tempo voa. Tenho que voltar para junto do meu pai que já deve andar aflitíssimo à minha procura. Está-se a fazer tarde e daqui a nada, é de noite.
Ao contrário do que acontecera à cobra, a despedida foi alegre, com muitos HURRAS! E VIVAS! à mistura e, no coração, o Rafael levava a gratidão eterna dos animais que o haviam salvo e dos quais nunca mais se iria esquecer. Tão contente estava com a despedida, que se esqueceu por completo de perguntar por que lado deveria seguir para voltar para junto do pai.
Um pouco mais adiante, encontrou uma águia que voava altaneira, em círculos, e lançava piares aflitos que se propagavam na vastidão do ar, como se qualquer coisa não estivesse bem.
- Será que também fala?, pensou. E se bem o pensou, melhor o disse.
- Passa-se alguma coisa, senhora águia?
A águia, castanha e muito elegante, deu ainda uma volta nos ceús, antes de lhe responder.
- Ai, meu Deus! Que hei-de fazer à minha vida? Fui caçar e quando voltei não encontrei o meu filhote no ninho. Não tarda o sol esconde-se atrás da montanha e se não o encontro, ele não sobrevive à noite.
- Terá caido do ninho?, perguntou o Rafael.
- Pode estar escondido nalgum recanto perto da árvore onde o ninho está.
- Não sei. Daqui do alto já procurei e procurei pelos arredores com a minha visão de águia, que é muito boa, mas não o consigo encontrar em lado nenhum. Será que me podes ajudar, jovem humano?
- Bem, estou com um bocado de pressa, mas posso tentar. Aqui em baixo dá para procurar em sítios que tu não consegues avistar daí de cima.
E começou a busca. Primeiro, procurou debaixo da árvore onde o ninho se encontrava. Procurou na vegetação rasteira, no meio dos arbustos, entre as pedras, mas nada. A alguma distância olhou então para um tronco caído, que apodrecia lentamente no solo da floresta. Era oco num dos lados.
Aproximou-se e espreitou lá para dentro. Não conseguia ver nada, mas teve a sensação que algum animal se ocultava no seu interior. Talvez o filhote de águia. E esticou a mão o mais que pôde para o seu o interior, tacteando com a ponta dos dedos pelo tronco, à medida que estes avançavam mais e mais para dentro. A dada altura, sentiu algo. Um monte fofo de penas comprimia-se agora contra a extremidade dos seus dedos. Estendendo um pouco mais a mão, sentiu um bico, acompanhado agora de um insistente piar aflito.
Só pode ser o filhote de águia. Deve ter caído e escondeu-se aqui, onde era mais seguro. Foi uma sorte ainda não ter aparecido nenhum animal perigoso que lhe fizesse mal. Foi uma grande sorte. E puxou-o como pôde para fora, aninhando-o junto ao seu peito, com palavras reconfortantes.
- Está tudo bem, pequena aguiazinha. Estás salva, e em breve estarás junta da tua mãe.
E chamou a águia, que acompanhara a busca e entretanto pousara num ramo próximo.
- Veja só o que eu tenho aqui para si, senhora águia.
- Oh, o meu precioso filhote! Graças a Deus! Como te posso agradecer, meu jovem e bondoso humano?
- O seu agradecimento é suficiente, não precisa oferecer-me nada. Porém, como me encontro perdido e já é tarde, se me conseguisse dizer que direcção tenho que tomar para reencontrar o meu pai, agradecia imenso. Quando o deixei esta manhã, ele caçava junto ao rio, do outro lado desta montanha. Depois de cair à água, atravessei a caverna escondida pela cascata, começei a andar em frente e agora já não sei o caminho para voltar. Só me apetece chorar. Está-se a fazer tarde e o meu pai deve estar muito, muito preocupado por eu ter desaparecido assim.
- Sim, meu jovem humano. Esta parte da floresta é muito difícil de ser alcançada... e mais ainda de ser abandonada. Mas como me ajudaste a encontrar o meu filhote, eu vou-te ajudar. A tua boa acção merece uma recompensa.
- Segue em frente até encontrares uma pedra branca mais ou menos do teu tamanho. Do teu lado esquerdo vais ver três carvalhos enormes. Depois de passares por eles, vais encontrar um caminho de terra batida, que é utilizado por todos os animais para irem beber água ao rio. Segue por essa vereda adiante e encontrarás a caverna e o caminho de regresso para junto do teu pai.
- Muito obrigado, senhora águia. Vou partir sem demora. Já vejo o sol a pôr-se no horizonte. Mais uma vez, muito obrigado pela sua ajuda.
- Ora essa, eu é que agradeço. Foi um prazer ter-te conhecido, jovem humano. Vai sem demora, pois se é assim como dizes, o teu pai deve estar ralado de preocupação a esta hora e sem saber que fazer.
O Rafael seguiu as instruções da águia e, em três tempos, encontrou-se novamente defronte da caverna. Uns coelhos que já tinham sido postos a par das suas peripécias por ali, foram os últimos animais falantes com que esteve, nesse dia mágico.
- Adeus, adeus!, gritaram todos. Regressa rápido para junto do teu pai e não te esqueças....
- Não contes a ninguém que nós sabemos falar, nem a entrada para esta parte da floresta.
- Claro que não, coelhinhos. Podem ficar descansados. Aliás, também acho que ninguém iria acreditar em mim. Eu próprio às vezes ainda me belisco para confirmar se isto tudo está de facto a acontecer e se vocês são todos reais.
Ao passar outra vez pela cascata, o Rafael lá teve de apanhar mais um rico banho para passar para o outro lado, mas desta vez até nem se importou muito. Quase em passo de corrida, seguiu pela margem do rio até onde o pai tinha estacionado o carro.
Mas, esperem lá. E o pai do Rafael?
Passámos a história toda a ver o que andava o Rafael a fazer e esquecemo-nos por completo de seu pai. Pois o pai Miguel teve um dia para esquecer. Não tinha caçado nada, o que até era hábito. Não era grande caçador, como já se disse atrás. Vinha mais para o contacto com a natureza, a adrenalina de perseguir a caça, fazer algum exercício e abater a barriga e para os seus almoços domingueiros no meio do mato com o farnel preparado pela esposa. Sim, isso era o principal. Queria lá saber se matava patos, coelhos ou outros animais.
Às vezes a esposa preparava-lhe os seus pitéus favoritos no dia seguinte, quando não apanhava nada. Às vezes até fazia de propósito para não levar nada, só para se deliciar com essas iguarias que eram de comer e chorar por mais.
Pois não ter apanhado nada, era a menor das preocupações do pai do Rafael. Se já pensava no jantar, era pelo adiantado da hora.
Passara grande parte do dia subindo e descendo o rio, num e noutro sentido, gritando o seu nome:
- RAFAEL! RAFAEL! ONDE ESTÁS?
E do Rafael, nada. Com a aflição, nem tinha disparado mais. Imaginou que o filho pudesse ter caído e estar ferido em qualquer parte, ou ter caído ao rio. Custava-lhe ainda pensar que algo de ruim pudesse ter acontecido ao filho. A sede de aventura é típica dos jovens da idade dele e o Rafael era muito, muito aventureiro. E imprudente. Talvez se tivesse afastado demais para explorar os arredores e não soubesse o caminho de volta. Por isso, enquanto o dia não chegasse ao fim, ia continuar a chamar por ele e a procurá-lo junto à margem do rio.
O problema é que o dia ia quase no fim e o seu filho teimava em não aparecer. Devia andar morto de fome, o farnel feito pela mãe nem saíra da sacola que trazia pendurada no ombro. Morto de fome como ele, de resto. O apetite fora-se todo com o desaparecimento do filho e tembém nem tinha almoçado.
Um pouco afastado da margem do rio, procurava pelo Rafael, incessantemente e cada vez mais aflito:
- RAFAEL, APARECE! RAFAEL!
E o Rafael apareceu. Finalmente.
- Estou aqui, pai. Está tudo bem, disse, ainda ofegante.
- Por onde andaste, filho? Estava morto de preocupação por não saber nada de ti.
- Está tudo bem contigo, filho?, perguntou com a voz um pouco embargada pela emoção.
- Sim, pai. Está tudo bem, repetiu.
- Mas tu estás todo molhado. O que é que se passou?
- Ah, é uma longa história. Caí ao rio, mas não me magoei. Eu prometo que depois conto.
- Nunca mais desapareças assim sem dizer nada. Se soubesses como eu passei o dia. Nem comi, filho.
- Desculpa, pai. Foi sem pensar. Prometo que nunca mais se torna a repetir.
E abraçaram-se, os dois, um pouco comovidos pelo reencontro. Um longo e forte abraço aos primeiros raios de luar. Por testemunha, um mocho que piava a espaços, anunciando a todos que a noite finalmente chegara.
- Vamos para casa, Rafael. O apetite regressou-me.
- Sim, estou cansadíssimo. A mim também, respondeu o Rafael.
- Vamos lá ver o que a nossa mãe preparou para o jantar.
No caminho para casa, o Rafael olhava repetidamente para trás pelo espelho do carro. Perdido nos seus pensamentos, pensou se tudo teria realmente acontecido. Ainda lhe custava a crer que semelhante coisa pudesse ser verdade. Animais falantes. Fosse como fosse, no futuro iria ter certamente mais respeito pelos animais. Já viram a confusão que era se de repente todos os animais desatassem a falar?
Em vez de uma floresta mágica, um mundo mágico onde todos vivessem felizes e em harmonia.
Sorriu deliciado com o pensamento, virou-se para trás e fez um último adeus à floresta mágica. Fora um dia inesquecível.

Autor: Pedro Luís Laima Bicho.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Os dez patinhos

Mais uma história infantil criada nos tempos mortos, quando não havia clientes à vista na Fnac do Algarve Shopping. Foi terminada a 19 de Novembro.

Os dez patinhos

Havia algo diferente no ar nesta manhã de Primavera. Na quinta onde esta história se passa, tudo estava anormalmente calmo. Não se via vivalma. Só o galo Venceslau já se manifestara, algum tempo atrás, anunciando o raiar de um novo dia. De resto, era o silêncio total. Nem sequer se ouvia o som dos passarinhos, tão costumeiro por aquelas bandas.
Na casa dos donos da quinta, ambos dormiam ainda a bom dormir, apesar da manhã já ir adiantada.
Mas eis que surge o primeiro personagem da história, bamboleando o corpo roliço, ora para um lado, ora para o outro, num passo lento, mas seguro. Pelas frestas da janela, era possível ao cavalo da quinta, de seu nome Príncipe, ver os donos da quinta ainda deitados na cama, cada qual virado para o seu lado. O velho Pôncio parecia, aliás, prestes a estatelar-se no soalho, tal era a posição em que se encontrava. Os lençóis, mais puxados para o seu lado, mal o cobriam. Parte destes estendiam-se pela madeira do soalho. A sua esposa, de nome Maria, dormia recatada no canto oposto da cama. Parecia dormir na paz dos anjos.
Mas voltemos à nossa história... na garupa do Príncipe vinha o Newton, seu maior amigo e o maior galã do pombal.
- Pois é, Princípe, deve ser hoje o grande dia. A pata Alice já está a chocar no ninho faz quase um mês, e pelas contas dela, é hoje que nascem os filhotes.
- Foi ela que te disse?
- Sim, passei ontem na capoeira e estive a conversar com ela um pouco. Coitada, está aborrecida de estar no ninho estes dias todos, confirmou o Newton.
- Vamos fazer-lhe uma visita, sugeriu o Princípe. O Newton acenou com a cabeça que sim, arrulhando de satisfação.
À entrada da capoeira, acotovelavam-se vários outros animais da quinta, num grande alvoroço, tentando saber as últimas novidades. O porco Gabriel e o burro Leopoldo, de olhos muito esbugalhados, seguiam tudo com muita atenção a um canto. As comadres galinhas cacarejavam animadamente umas com as outras. Algumas cabras e ovelhas amontoavam-se ainda à entrada, balindo a espaços. Só o velho cão Fiel permanecia a dormitar dentro da sua casota. Mesmo que quisesse, não seria possível juntar-se aos demais animais. Uma pesada corrente limitava-lhe os movimentos. O máximo que se conseguia deslocar era meia dúzia de passos para a frente e para trás.
Grande como era, o Princípe lá foi abrindo caminho por entre a bicharada.
- Com licença, com licença, deixem passar, repetia uma e outra vez.
Mais encontrão, menos encontrão, um puxa aqui, um puxa ali e em dois minutos conseguiram chegar à frente. Entrou o Newton, e, pigarreando um pouco, perguntou:
- Então, Dona Alice, há novidades?
- Hum, hum...
- Isso é um sim ou um não?
- Hum, hum...
À segunda vez sacudiu-se, toda inchada, levantando as penas. E, por entre as plumas da pata Alice, minúsculas cabecinhas surgiram, primeiro uma, depois outra, e outra e outra...
Newton abriu o bico de espanto. Agora que estava com mais atenção, ouvia também um tímido piar vindo de baixo da pata Alice.
- São tantos, disse ele. E contou nove lindos patinhos amarelos.
- Então teve nove patinhos, dona Alice. Mas oiço um piar insistente debaixo de si, a senhora estava a chocar quantos ovinhos?
- Hum, hum. Dez.
- Tem a certeza?
- Mas pois claro. Eu não me ia enganar numa coisa dessas. Disse que só contou nove patinhos?
- Sim, mas ainda escuto um piar que parece vir de dentro das suas penas.
Dito isto, a pata Alice ergueu-se, revelando o tesouro oculto sob si. Nove pequenos patinhos amarelos de bicos alaranjados e olhos muito abertos fixavam nele o olhar, como se fosse a coisa mais estranha do mundo. Um pouco afastado, um ovinho de cor esbranquiçada ainda permanecia inteiro. O piar parecia vir de lá.
Mirando mais de perto, Newton vislumbrou pequenas rachas ao longo da suave superfície do ovo. Conseguiu vislumbrar um pequeno bico alaranjado, tentando quebrar a casca pelo lado de dentro, mas sempre sem sucesso. Nem pensou duas vezes. Chegou-se à frente e começou também ele a bicar na casca branca do ovo.
Tanta determinação fez com que em três tempos a casca cedesse e os olhos do patinho vissem pela primeira vez o mundo que iria ser o seu dali em diante.
Uma mancha escura na cabeça distinguia este patinho dos demais. Parecia que trazia um carapuço enfiado na pequena cabecinha.
Ficou logo baptizado de Pintas.
Dona Alice estava radiante por estar tudo bem. Grasnando ruidosamente, encaminhou-se para a entrada da capoeira, seguida pelos dez patinhos, uns atrás dos outros.
Cá fora, a confusão era cada vez maior. Mas, como que num passe de mágica, todos se silenciaram ao surgir Dona Alice. Dirigindo-se a todos, disse do improvisado palanque:
- Está tudo bem. Todos os patinhos nasceram de boa saúde e estão todos bem. A partir de hoje há dez novos habitantes na quinta.
- Queremos vê-los, queremos vê-los, repetiam todos, insistentemente, num grande burburinho.
Afastando-se para o lado alguns segundos depois, os patinhos surgiram finalmente à multidão de olhares curiosos que olhavam na sua direcção.
- São lindos, cacarejavam as galinhas.
- Aquele tem um carapuço na cabeça, disseram o porco Gabriel e o burro Leopoldo, fazendo coro.
E foram todos, um a um, dar as boas-vindas aos novos habitantes da quinta. Os patinhos, um pouco assustados com a confusão, a todos piavam em uníssono, dando os bons dias. O piar do Pintas, o último a nascer, sobressaía dos demais. Parecia que os patinhos já tinham líder.
Feitas as apresentações, o porco Gabriel e o burro Leopoldo prontificaram-se de imediato a mostrar a quinta aos patinhos.
Dona Alice acenou que sim, com um ar algo austero e disse:
- Mas não levem a tarde toda nisso e tenham cuidado, sim?
- Pode ficar descansada, disse o porco Gabriel.
- Eles estão seguros connosco. Não se aflija, Dona Alice, anuiu o burro Leopoldo.
Primeiro foram ao celeiro, onde o velho Pôncio armazenava os cereais e algumas ferramentas. Pelo caminho, foram cumprimentados com alguns latidos pelo cão Fiel, que entretanto despertara e se espreguiçava ao sol.
- Quá-quá-quá, piavam os patinhos de espanto.
- O que é aquilo?, perguntou um.
- É o tractor da quinta. Serve para arar e cultivar os campos à nossa volta.
- E aquilo?, perguntou outro.
- São ancinhos, enxadas e sacholas. Fazem o mesmo, mas são mais pequenos. O velho Pôncio utiliza-os na horta, que é onde vamos a seguir.
E lá se encaminharam todos na direcção da horta, que ficava mesmo ali ao lado. Primeiro o porco Gabriel, ladeado pelo burro Leopoldo, seguidos os dois pelos patinhos, numa longa fila indiana de longos corpinhos amarelos e biquinhos laranja-vivo lindos de morrer, como já se disse atrás.
Tudo era novidade para os patinhos. As cores, os ruídos, os cheiros e as formas, tudo era motivo de espanto e admiração.
- Aquilo são alfaces. Acolá, temos couves. E além daquele lado, tomates e pepinos. Os tomates são redondos e encarnados, ia explicando o porco Gabriel, à medida que caminhavam.
- A não ser que ainda estejam verdes, gracejou o burro Leopoldo, terminando a frase com um ruidoso ih!-oh! Zombeteiro.
O Pintas, que era o mais impetuoso, já andava a perseguir um escaravelho que tivera o azar de passar por ali naquele momento O coitado do escaravelho bem tentava fugir, mas como tinha umas patinhas muito pequeninas, andava muito devagar. Tanta bicada levou, que decidiu abrir as suas asas e num ápice, tinha voado para bem longe.
Em seguida foram conhecer o charco dos patos, que ficava num dos extremos da quinta. A cerca de 100 metros, moravam os donos desta, num enorme e velho casarão de dois pisos, com um alpendre pintado de azul-claro, que ameaçava ruir, mais ano, menos ano.
Parecia que algo mais forte que eles os chamava para a água. E todos foram molhar as patinhas e gargarejaram bem alto. As rãs do charco, entretanto, olhavam, atentamente para os pequenos invasores, um pouco receosas. Mas nenhum dos patinhos lhes ligou nenhuma. A não ser, adivinhem quem... pois claro, a não ser o Pintas.
Correndo à volta do charco o mais depressa que podia, foi fazendo as rãs saltarem uma a uma, para dentro de água. Divertiu-se imenso com as rãs. Elas é que não acharam piada nenhuma ver acabar assim o seu rico banho de sol. Entretanto, o grupo já recomeçara a marcha. O burro Leopoldo sempre com um olho à frente e outro atrás, não fosse o Pintas fazer alguma e perder-se pelo caminho. Teve de andar a bom andar para alcançar todos, que entretanto, já iam andando na direcção do velho casarão. O burro Leopoldo só descansou quando os patinhos estiveram de novo todos reunidos. Lembrava-se bem da promessa feita à pata Alice.
De uma das janelas vinha um forte odor adocicado. Devia ser D. Maria a preparar o pequeno-almoço.
- Lembrem-se de nunca entrar dentro deste casarão, é onde os donos da quinta vivem, disse o porco Gabriel.
- Já só falta passarmos pela vacaria, onde vivem os animais de maior porte.
E dirigiram-se todos na direcção do moinho de vento, ao lado do qual esta se localizava. Quando chegaram, os dois explicaram onde cada um morava e a quem pertencia cada divisória, ao que os patinhos acenavam a tudo que sim, piando baixinho.
- Esta é para as cabras e ovelhas. Lá no alto, onde estão aqueles buracos, vivem os pombos, incluindo o Newton, que ajudou o Pintas a nascer esta manhã. E aquela além onde estão os fardos de palha, é onde eu e o Princípe vivemos, disse o burro Leopoldo.
- E eu fico além naquele canto, acrescentou ainda o porco Gabriel.
- Bom, acho que já chega por hoje. Vamos regressar à capoeira antes que a pata Alice venha à nossa procura. Por esta altura, já deve andar preocupadíssima e vejo que vocês também já estão cansados de tanto andar, disse ainda.
Ao regressarem, o Pintas reparou em algo estranho. Junto à capoeira estava um carrinho de mão verde... e algo mais.
- O que será aquilo?, pensou.
- Vou investigar, decidiu nesse instante. E se bem o disse, melhor o fez. Como as suas aventuras anteriores perseguindo o besouro e as rãs tinham sido tão divertidas, não tinha dado ainda dois passos e já levava na sua cola todos os seus irmãs e irmã, em fila indiana. Só o porco Gabriel e o burro Leopoldo é que não se aperceberam de nada, continuando tranquilamente a sua marcha rumo à capoeira.
Algo branco e ruivo apareceu brevemente, para logo tornar a desaparecer por trás do carrinho de mão. Uma cauda.
- Será um animal da quinta que ainda não conhecemos?, comentavam alguns entre si.
Agora que já estavam mais próximos, já conseguiam ver as formas do animal.
- É parecido com o cão Fiel, não é?, disse o Pintas.
Falou baixinho porque algo não lhe parecia estar bem. Porque estava aquele animal tão estranho e de ares furtivos, escondido por trás do carrinho de mão? E parecia que se preparava para fazer algo.
Quando deu um passo na direcção deles, farejando o ar, dois olhos brilhantes, cheios de malícia, puseram todos aqueles coraçõezinhos a bater a 100 à hora. O animal ruivo com manchas brancas, estava a olhar para eles.
Piaram com toda a força, tanto e tão alto, que, mesmo à distância, o porco Gabriel e o burro Leopoldo, se assustaram com os piares aflitos, correndo de imediato em seu auxílio.
Chegou primeiro o burro Leopoldo, pois corria mais depressa que o seu amigo Gabriel.
Ao chegar, deparou-se com uma astuta raposa, que perseguia os patinhos, fugindo estes cada um para seu lado. Essa táctica estava a dar resultado, pois ainda nenhum tinha sido apanhado. Parece que tinha chegado mesmo a tempo.
A raposa não pensou duas vezes. Já todos na quinta estavam alertados para a sua presença e o tamanho do burro Leopoldo intimidava-a. A situação agora tornava-se perigosa, mas era para ela.
Confirmou-o no instante seguinte, quando recebeu um valente coice do burro Gabriel, acompanhado de ameaçadores zurrares. E, à distância, mais animais se aproximavam.
Fugiu como pôde na direcção da horta, correndo e mancando, pois o coice tinha sido bem forte.
Atrás de si vinham já vários dos animais da quinta, e pior se tornou a situação quando o velho Pôncio a avistou também.
Num último esforço, conseguiu ocultar-se por entre a vegetação, entredentes rangendo de raiva, pelo chinfrim que os patinhos tinham iniciado e que lhe tinha tornado a vida num verdadeiro inferno nessa manhã.
Na quinta, todos os animais rodeavam agora os patinhos, congratulando-os pelo feito.
- Três vivas aos patinhos, foram uns verdadeiros heróis!, ouviu-se um deles gritar.
- Viva!, Viva!, Viva!, gritou a multidão de animais.
A pata Alice exultava de contentamento. Os seus patinhos tinham sido uns heróis por terem sobrevivido ao ataque da raposa e alertado os outros animais da quinta para a presença desta. E logo no dia em que tinham nascido. Estava muito orgulhosa deles todos.
Ao final do dia, até D. Maria foi visitá-los à capoeira.
Aconchegou os pequenos patinhos no seu regaço, dizendo baixinho:
- São uns verdadeiros heróis, estes meus patinhos amarelos.
Nenhum compreendeu as estranhas palavras de D.Maria, mas todos perceberam o que significava.
E piaram baixinho de contentamento... quá-quá-quá!

Autor: Pedro Luís Laima Bicho 19/11/07